terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A LISTA DE CROWLEY



Muitos ficaram chocados com a lista das 100 ‘músicas’ mais tocadas de 2015 nas rádios brasileiras auferidas pela CROWLEY (empresa que monitora a programação musical das emissoras)... Eu não. Admito que a goleada sofrida pelo rock/pop foi tão acachapante quanto o 7x1, mas não fiquei surpreso com esse disparate.

Junte aproximadamente duas décadas de emergência econômica devidamente não acompanhada por emergência intelectual e temos duas gerações de uma população desqualificada para entender qualquer proposta além das que lhe são oferecidas pela grande mídia. O mais aterrador é que esse mesmo público atualmente dita os rumos do que é assumido como produto de sucesso pelo mercado, com suas hashtags estranhas e seu comportamento superficial, volátil. Ciclo-vicioso clássico. Ou seja, ficamos submetidos à influência de pessoas/fakes/robôs que ficam replicando nulidades nesse ambiente hostil e contraditório que é a internet. A conclusão óbvia que tiramos é que esse dito ‘sucesso’, embora visível, está fundamentado em bases não confiáveis.  

Pelo número de pessoas se dizendo indignadas com o resultado da tal lista, arrisco-me a dizer que o público de rock não é pequeno. Esse público terá sido esquecido? Ou encontra-se adormecido, ou está enfurnado em guetos, ou padece de pijama em casa? Enfim, o fato é que ele existe e está espalhado por aí. Quem saberá encontrá-lo? Quem poderá seduzi-lo? É só observar as multidões que pagam caro para assistir shows de grandes nomes do rock mundial para enxergar o óbvio.

Em um texto que publiquei nesse mesmo blog em 2012, alertei o que estava por vir.

http://henriquepapatella.blogspot.com.br/2012/10/o-mercado-da-musica-no-brasil.html

Naquela época a situação já era insustentável. Aliás, há quem diga que em meados da década passada a batalha já estava perdida... Mas, posto isso, ao menos numa suposição intuitiva podemos nos agarrar: É impossível que a situação piore! Chegamos ao fundo do poço do que podemos denominar ‘mercado comercial de música’ no Brasil, em termos qualitativos. Eu nem chamaria de mercado fonográfico ou mercado musical, pois o que assistimos e ouvimos estarrecidos tem muito mais a ver com entretenimento/comércio do que com arte/música.

Talvez esse cenário catastrófico possa ser interpretado de forma diferente se conseguirmos responder a seguinte pergunta, de forma objetiva: Quem ouve música em rádio hoje em dia? Eu não. E quando me aventuro nessa façanha, o que ouço, na maioria das vezes, são programas humorísticos, esportivos, de variedades, de celebridades, feitos na medida para agradar a uma multidão semi imbecilizada. Quando toca música, são mutiladas e dificilmente ultrapassam dois minutos e meio. As rádios se tornaram prateleiras, como as dos supermercados. Elas vendem produtos. A exceção são as emissoras segmentadas que tocam músicas para públicos distintos. Essas rádios, tanto na internet, quanto no dial, são apreciadas pela maioria das pessoas com as quais convivo. Algumas estações são até bem legais. É bem provável que o público específico do rock não ouça a maioria das rádios que formam essa famigerada lista.

Falando do público em geral, da massa mesmo, diria que essa ‘galera’ topa qualquer coisa. Portanto, se amanhã o rock voltar às emissoras de grande visibilidade, o povão vai entrar na onda. Talvez não por uma questão de qualidade, mas por costume, moda. Embora algumas personalidades dignas de respeito digam que não se importam com a opinião da massa, eu me importo. O crivo popular tem sua importância, senão nem estaríamos falando disso. Acho perfeitamente possível que uma mesma música converse com a intelectualidade e com o populacho. Legião era assim. Raul também. Skank, O Rappa e vários outros artistas mais atuais também tem esse alcance com pessoas de todas as castas e nichos. Mas eles não estão no clube dos 100 de 2015... E daí? Cá pra nós, você realmente conhece 50% dessas músicas que estão nessa lista?

A rádio é um dos veículos mais emblemáticos. São concessões, mas cobram pelas propagandas. OK, toda empresa tem que pagar suas contas e faturar, mas qual é a contrapartida social que elas oferecem por serem concessões? TV´s também podem ser inseridas nesse contexto. O poder de democratizar essas frequências passa pelo bom senso dos donos das emissoras, editores, programadores, apresentadores, locutores e essa responsabilidade deve ser levada a vários outros ambientes midiáticos. Alguém já deve estar pensando em velhos clichês como ‘a voz do povo é a voz de Deus’ ou ‘o dinheiro é quem manda’, mas será que o povo não erra? Será que qualquer dinheiro é bem vindo? Reza a lenda que o que tem de ‘empresários’ lavando dinheiro sujo em escritórios musicais populares é uma fartura... Segundo corre a boca pequena, até dinheiro do tráfico tem se transformado em ‘sucesso’ musical. Aí a briga fica desigual...

Houve um tempo em que veículos da grande mídia e do ‘sistemão’ musical brasileiro sentiam prazer em apresentar a música enquanto arte. Havia até um certo pudor para que o nível artístico fosse o mínimo aceitável. Deixando o purismo de lado, sempre houve na mídia propostas musicais esdrúxulas que também deram certo e agradaram milhões em outros tempos, mas essas eram as exceções e não a regra. Hoje parece existir um pacto implícito de que quanto pior melhor, até em outras esferas não musicais. Estamos vivendo uma era esquisita.

Também acho que imputar a salvação da música no Brasil ao rock, como várias figuras excêntricas insistem em dizer por aí, é totalmente equivocado. Tem um monte de banda de rock ruim, assim como existem artistas de outros estilos que são competentíssimos e merecem o sucesso que fazem.

Legal seria se a pluralidade cultural brasileira, tão decantada em tese, pudesse ser vivenciada na prática.

Numa época de caos, em meio a toda essa esquizofrenia generalizada que nos deixa atônitos, chego ao fim desse texto me indagando se esse tema seria supérfluo. Talvez a música tenha se tornado algo supérfluo e alguns nós não tenhamos percebido.

A LISTA DE CROWLEY parece querer nos propor uma associação do momento do país com a música aqui propagada atualmente... Curioso.

Despeço-me com três frases candidatas a trend topics de gueto, já que um dos nossos esportes preferidos na atualidade é o arremesso de frases de efeito com viés moralista simplista pseudo politizado:
# ABAIXO A SEGREGAÇÃO MUSICAL!
# QUEREMOS COTAS PRA ROCKEIROS!
# FORA SANFONA!