Muitos ficaram chocados com a lista das 100 ‘músicas’ mais
tocadas de 2015 nas rádios brasileiras auferidas pela CROWLEY (empresa que
monitora a programação musical das emissoras)... Eu não. Admito que a goleada
sofrida pelo rock/pop foi tão acachapante quanto o 7x1, mas não fiquei surpreso
com esse disparate.
Junte aproximadamente duas décadas de emergência econômica
devidamente não acompanhada por emergência intelectual e temos duas gerações de
uma população desqualificada para entender qualquer proposta além das que lhe
são oferecidas pela grande mídia. O mais aterrador é que esse mesmo público
atualmente dita os rumos do que é assumido como produto de sucesso pelo mercado,
com suas hashtags estranhas e seu
comportamento superficial, volátil. Ciclo-vicioso clássico. Ou seja, ficamos
submetidos à influência de pessoas/fakes/robôs que ficam replicando nulidades
nesse ambiente hostil e contraditório que é a internet. A conclusão óbvia que
tiramos é que esse dito ‘sucesso’, embora visível, está fundamentado em bases
não confiáveis.
Pelo número de pessoas se dizendo indignadas com o resultado
da tal lista, arrisco-me a dizer que o público de rock não é pequeno. Esse público
terá sido esquecido? Ou encontra-se adormecido, ou está enfurnado em guetos, ou
padece de pijama em casa? Enfim, o fato é que ele existe e está espalhado por
aí. Quem saberá encontrá-lo? Quem poderá seduzi-lo? É só observar as multidões
que pagam caro para assistir shows de grandes nomes do rock mundial para
enxergar o óbvio.
Em um texto que publiquei nesse mesmo blog em 2012, alertei
o que estava por vir.
http://henriquepapatella.blogspot.com.br/2012/10/o-mercado-da-musica-no-brasil.html
Naquela época a situação já era insustentável. Aliás, há
quem diga que em meados da década passada a batalha já estava perdida... Mas,
posto isso, ao menos numa suposição intuitiva podemos nos agarrar: É impossível
que a situação piore! Chegamos ao fundo do poço do que podemos denominar ‘mercado
comercial de música’ no Brasil, em termos qualitativos. Eu nem chamaria de
mercado fonográfico ou mercado musical, pois o que assistimos e ouvimos
estarrecidos tem muito mais a ver com entretenimento/comércio do que com
arte/música.
Talvez esse cenário catastrófico possa ser interpretado de
forma diferente se conseguirmos responder a seguinte pergunta, de forma
objetiva: Quem ouve música em rádio hoje em dia? Eu não. E quando me aventuro
nessa façanha, o que ouço, na maioria das vezes, são programas humorísticos,
esportivos, de variedades, de celebridades, feitos na medida para agradar a uma
multidão semi imbecilizada. Quando toca música, são mutiladas e dificilmente
ultrapassam dois minutos e meio. As rádios se tornaram prateleiras, como as dos
supermercados. Elas vendem produtos. A exceção são as emissoras segmentadas que
tocam músicas para públicos distintos. Essas rádios, tanto na internet, quanto
no dial, são apreciadas pela maioria das pessoas com as quais convivo. Algumas
estações são até bem legais. É bem provável que o público específico do rock
não ouça a maioria das rádios que formam essa famigerada lista.
Falando do público em geral, da massa mesmo, diria que essa
‘galera’ topa qualquer coisa. Portanto, se amanhã o rock voltar às emissoras de
grande visibilidade, o povão vai entrar na onda. Talvez não por uma questão de
qualidade, mas por costume, moda. Embora algumas personalidades dignas de
respeito digam que não se importam com a opinião da massa, eu me importo. O
crivo popular tem sua importância, senão nem estaríamos falando disso. Acho perfeitamente
possível que uma mesma música converse com a intelectualidade e com o
populacho. Legião era assim. Raul também. Skank, O Rappa e vários outros
artistas mais atuais também tem esse alcance com pessoas de todas as castas e
nichos. Mas eles não estão no clube dos 100 de 2015... E daí? Cá pra nós, você realmente
conhece 50% dessas músicas que estão nessa lista?
A rádio é um dos veículos mais emblemáticos. São concessões,
mas cobram pelas propagandas. OK, toda empresa tem que pagar suas contas e
faturar, mas qual é a contrapartida social que elas oferecem por serem
concessões? TV´s também podem ser inseridas nesse contexto. O poder de democratizar
essas frequências passa pelo bom senso dos donos das emissoras, editores, programadores,
apresentadores, locutores e essa responsabilidade deve ser levada a vários
outros ambientes midiáticos. Alguém já deve estar pensando em velhos clichês
como ‘a voz do povo é a voz de Deus’ ou ‘o dinheiro é quem manda’, mas será que
o povo não erra? Será que qualquer dinheiro é bem vindo? Reza a lenda que o que
tem de ‘empresários’ lavando dinheiro sujo em escritórios musicais populares é
uma fartura... Segundo corre a boca pequena, até dinheiro do tráfico tem se
transformado em ‘sucesso’ musical. Aí a briga fica desigual...
Houve um tempo em que veículos da grande mídia e do ‘sistemão’
musical brasileiro sentiam prazer em apresentar a música enquanto arte. Havia
até um certo pudor para que o nível artístico fosse o mínimo aceitável.
Deixando o purismo de lado, sempre houve na mídia propostas musicais esdrúxulas
que também deram certo e agradaram milhões em outros tempos, mas essas eram as
exceções e não a regra. Hoje parece existir um pacto implícito de que quanto
pior melhor, até em outras esferas não musicais. Estamos vivendo uma era
esquisita.
Também acho que imputar a salvação da música no Brasil ao
rock, como várias figuras excêntricas insistem em dizer por aí, é totalmente
equivocado. Tem um monte de banda de rock ruim, assim como existem artistas de
outros estilos que são competentíssimos e merecem o sucesso que fazem.
Legal seria se a pluralidade cultural brasileira, tão
decantada em tese, pudesse ser vivenciada na prática.
Numa época de caos, em meio a toda essa esquizofrenia
generalizada que nos deixa atônitos, chego ao fim desse texto me indagando se
esse tema seria supérfluo. Talvez a música tenha se tornado algo supérfluo e
alguns nós não tenhamos percebido.
A LISTA DE CROWLEY parece querer nos propor uma associação
do momento do país com a música aqui propagada atualmente... Curioso.
Despeço-me com três frases candidatas a trend topics de gueto, já que um dos nossos esportes preferidos na
atualidade é o arremesso de frases de efeito com viés moralista simplista
pseudo politizado:
# ABAIXO A SEGREGAÇÃO MUSICAL!
# QUEREMOS COTAS PRA ROCKEIROS!
# FORA SANFONA!